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28 março 2011

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O Intelectual e A Poetisa



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O casal já sentia o amor se firmando em seus corações há alguns dias. Tendo se conhecido ao acaso, suas conversas eram breves e cheias de envergonhadas risadas. Nunca, realmente, terminaram um assunto.
Ele era intelectual, meio sério, sobre todo assunto parecia que tinha lido um pouco.
Ela era avoada, inteligente, quase uma criança no corpo de uma mulher, não fosse seu raciocínio avançado. Antes de ler, sua paixão era escrever poemas. Oh! Era ali que se libertava, em meio a versos ritmados e delicados, coloridos ou depressivos. Pelo menos um por dia estava lá, em seu caderninho que ganhara do avô, que carregava em todo lugar, e não permitia que ninguém o lesse.
Tinha o modelo do "príncipe ideal", e por algum motivo via-o refletido nos estranhos óculos do filósofo. Percebendo que nenhuma iniciativa seria tomada pelo pensador, ela docemente o convidou para um café.
Naquele dia, uma garota comum se embelezaria além da conta, mas não aquela garota. Ela vestiu-se normalmente, e sua ansiedade só se traduzia pelo poema que fluía em sua caneta: Confusão
Mesmo assim, em toda sua aura se viam pequenos detalhes, que só um poeta notaria (talvez só aquela poeta!).
Usava um colar com a letra do seu nome, para mostrar que estava solteira e que as letras não eram um desafio.
Usava o vestido do dia em que eles se conheceram, que o filósofo, encabulado, disse que lhe caía bem.
Usava um salto que sempre gostara, pois lembrava-lhe do modelo do sapato da Cinderela.
Uma fita no cabelo selava o olhar de garota apaixonada (pelo menos para ela!).
Caminhando graciosamente até o ponto de encontro, um velho carvalho (pois se sentia mais confortável perto da natureza), encontrou-o, como sempre, recostado, com os óculos na ponta do nariz e um livro na mão.
Querendo surpreende-lo, chegou bem perto, e leu a capa:
A Marca de Uma Lágrima.
Por dentro deu um grito de felicidade: Seu príncipe gostava de poesia!
-Gosta? - perguntou repentinamente.
-Não realmente - ele falou distraído, seco, mas quando levantou os olhos sua expressão se suavizou e abriu um sorriso - poesia não é a leitura que mais aprecio.
O sorriso da menina não vacilou:
-Por que?
-Eu me orgulho de dizer que leio de todos os temas sem preconceito, mas, poesia? - falou, sarcástico - poucas são as que me agradam, e, quando o fazem, não são em forma de versos.
Agora a expressão da menina era séria.
-O que foi? - perguntou ele, confuso.
-A pergunta certa a dizer seria: Lhe ofendi? E a minha resposta seria que sim. Como pode não gostar de poesia? Não a percebe a cada passo que dá fora de casa, no bater de asas de borboleta, no perfume de uma flor, das pedras, da água, e, quem diria, pode haver poemas até do que não se vê!
-Se assim o fosse - ele falou, sarcástico - Fecharia-me num quarto e não abriria mais os olhos, até que todo entendimento de poesia se esvaísse do mundo.
-E o que faria com um poeta se o visse pela frente? - falou ela, com a voz num timbre mais fino.
-Certamente que o alertaria que poesia não dá em nada. Que está vivendo na ilusão e que versos e rimas são para cantigas de ninar, nunca para algo que ele julgar sério. Como pode haver algo sério no bater de asas de uma borboleta? Ou ainda naquilo que não se vê! O que não se vê não é visto, não pode ser sentido, não deve ser registrado!
-Então diga! Alerte-me de que o mundo não tem cores que é tudo monótono e que posso viver a vida sem vivê-la realmente, mas lendo os relatos de quem teve a coragem de sair de sua biblioteca! Fale-me como é banal a lágrima que derramo por você, ou o sapato de cristal que coloquei visando que a meia-noite nunca chegasse! Pois para todos os sentidos e todos os nomes eu sou uma poetisa!
A lágrima brotou em seus olhos, escorreu pelo nariz perfeito, contornou os lábios e caiu no pingente do colar. 
O filósofo olhou-a, arrasado. Percebeu que a amava, no mesmo momento em que percebeu que acabara de perdê-la.
Ela virou as costas, e, dignamente tirou a fita de seu cabelo e jogou para trás sem olhá-lo.
Chutou os sapatos para longe,
Puxou o pingente do pescoço com força,
Pegou o caderno, buscou o último poema: Confusão
Virou-se para o filósofo, mas já não era a doce mulher que conhecera, era outra pessoa, que já havia passado por traumas e os superados. Uma metamorfose de segundos.
A nova mulher amassou a folha branco-amarelada com uma doce caligrafia escrita, e jogou aos pés dele. Ele abaixou-se para pegar o papel, e quando se levantou, era só ele diante da árvore.
Não se dignou a ler o poema. Amassou-o mais um pouco e enfiou-o no fundo da bolsa. Deixou o livro esquecido no primeiro banquinho que encontrou, e rumou para casa.
No dia seguinte, na caixa de correio, uma encomenda. Não havia selo ou remetente. Fora entregue pessoalmente.
Estava endereçado para " O Pensante ", e dentro, tinha um pote de vidro vazio, com uma rolha.
Junto, um bilhete:
"O que não se vê era o meu amor por você, que escondi bem escondido e guardei nesse pote. Não, não é uma metáfora. Abra e sentirá por um momento tudo o que senti.
Com amor,
A Poetisa.”
Zombeteiro, o filósofo abriu com um só movimento a rolha, e seu coração foi tomado por uma tristeza angustiante, enquanto olhava para o pequeno frasco aberto. 
Vazio.
Desesperado, fechou a rolha.
Sentou-se e ficou filosofando sobre o que acabara de acontecer.
Levantou-se, pegou a bolinha no fundo de sua bolsa, com todo cuidado desamassou-a, e leu o poema:
Confusão
Ainda sério, ligou para ela, e, antes de qualquer palavra disse:
-Acho que tenho uma resposta.
Não se sabe ao certo como se reconciliaram, mas hoje se ouvem boatos do casal de poetas que vara a noite lendo e escrevendo, e se amando.
E aquela coisa invisível dentro da garrafa tomou proporções enormes, e o poema da poetisa se concretizou:
"E, no meio dessa confusão,
será que viveram felizes para sempre?"



Lara Vic.

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