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07 dezembro 2012

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Encontro Casual




Estava eu sentada na praça com uma caneta entre os dedos e um caderno no colo, tentando começar o artigo para o jornal de segunda onde eu trabalhava. Esses lugares costumavam ajudar com a minha inspiração, mas não naquele dia.
Quando olhei para traz a praça estava vazia, e a única prova que eu tenho de que tudo aconteceu é o desenho infantil que minha eu de cinco anos fez. Tantos conselhos que eu poderia dar para que ela não sofresse como eu... Mas foram meus erros que me construíram, e ela é forte para aguentar o que está por vir, afinal eu aguentei certo?

Ela se aproximou devagar, quase que sorrateira. Usava calça de moletom rosa e uma camiseta branca, mesmo que estivesse um pouco quente para isso. Eu estava tão aérea que n
ão percebi sua presença, e comecei a cantarolar baixinho should I stay or should I go.
-Moça, pode me dar uma folha por favor?
O meu susto foi tanto que derrubei a caneta. Mal-humorada, virei-me para a pentelha. Ela tinha olhos claros familiares, grandes bochechas e cabelo quase loiro, e me encarava em expectativa.
Sem uma palavra arranquei a folha que eu encarava à vinte minutos esperando que as palavras surgissem, e entreguei à menina. Tentei voltar ao meu estado de transe, mas a menina pegou a folha e não se moveu, ficou lá do meu lado me olhando.
-Você... - comecei a formular mas ela me cortou
-Meu nome é Anastácia e o seu?
Não pude deixar de pensar como ela era intrometida, mas acabei cedendo um pequeno sorriso por causa da coincidência:
-Nossa, o meu também. Você esta perdida?
Ela se acomodou do meu lado, empurrando algum material de trabalho para o canto sem muito cuidado. Depois olhou para mim com aqueles olhos brilhantes:
-Você esta desenhando alguma coisa?
Tudo o que eu pensava era "preciso trabalhar!", mas me forcei a ser simpática com a menina:
-Não, estou escrevendo, é isso que eu faço - e depois murmurei baixo, mais para mim mesma - ou estou tentando.
-Mamãe disse que não pode falar baixo assim, tem que atica. - ela me repreendeu.
-Articular? - corrigi com um sorriso sincero, eu também já ouvira essa mesma repreensão muitas vezes quando criança.
-Foi o que eu disse.
Segurei uma risada e olhei em volta. Não tinha mais ninguém na praça. Quem nos visse podia nos tomar por mãe e filha, pois eu também tinha cabelo quase loiro e olhos claros...
-Anastácia, o que é isso na sua orelha? - ela apontou para a argola preta que eu tinha na cartilagem da orelha.
-É um piercing. - dei de ombros - tipo um brinco, só que em outro lugar.
-Mas é estranho, por que colocou isso ai?
Crianças e sua honestidade.
-Tudo depende do gosto, eu gosto. Onde esta o seu pai?
O semblante da menina se tornou pesado, ela baixou o olhar e disse baixinho, contradizendo a regra anterior:
-Mamãe disse que papai esta viajando e logo volta, mas ele foi embora, não gosta de mim.
Aquilo me atingiu fundo. Olhei para a garota sentada timidamente do meu lado, sua aura animada e curiosa de antes agora dava lugar a uma triste e inocente melancolia, tão familiar que me dava enjôo. Virei-me para aqueles olhos marejados de lágrimas. Agora eu sabia de onde os tinha visto.
-Escuta, o seu pai gosta muito de você viu? Ele vai voltar, vai demorar um pouco, e a sua mãe vai ficar cada vez mais triste, mas depois de um tempo ele vai voltar.
-Como você sabe?
Não dava para explicar como eu sabia. A cena de meu pai chegando em casa depois de meses sem uma noticia dele... Ficou eternamente gravada na minha mente. Eu tinha uns seis anos na época.
-Quantos... - limpei a garganta, as palavras se embaralhavam - quantos anos você tem?
Ela ergueu a mão com os cinco dedos entendidos. Cinco anos. Nessa época papai tinha acabado de sair de casa. Ia demorar um pouco.
Meu primeiro instinto seria chorar, mas segurei as lágrimas. Aquilo que estava na minha frente não podia ser real. Tantos conselhos que eu poderia dar, e minha mente agora estava vazia.
-Ei, posso desenhar com você? - ela perguntou meio cabisbaixa ainda
-C-claro.
Ficamos lá por um tempo, ela se concentrou no desenho e eu por algum motivo achei minha inspiração. Acabamos quase ao mesmo tempo, e ela me deixou ficar com o desenho:
-Olha, sou eu e você desenhando, eu desenhei até o seu brinco estranho - ela apontava animada. Eu apenas assentia sorrindo
-Esta lindo querida, vou guardar com certeza, mas agora eu tenho que ir para casa e...
-Anastácia! Anastácia! - uma mulher de meia idade veio correndo em nossa direção. Eu não a via à mais de dez anos.
-Mamãe - eu e ela murmuramos juntas. Por algum motivo eu sentia que era minha hora de sair daquele quadro de nostalgia. Baguncei os cabelos da pequena, falando um boa sorte, e antes que minha mãe chegasse, saí andando para um túnel que levava à minha casa.
-Quem era aquela moça? - a voz dela era igual ao que eu lembrava, mesmo sendo aos poucos distorcida por ecos conforme eu aumentava a distância.
-É a Anastácia, ela é estranha que nem eu, mas é muito legal e cuidou de mim até você chegar! - ela falou animada.


Depois de muito tempo decidi tentar fazer um conto. Espero que tenham gostado, eu estou bem enferrujada. O que você diria se encontrasse seu "eu" mais novo?

3 comentários:

  1. Diria tanta coisa, algo como você é capaz de tudo o que quiser, não deixe nada de importante para amanhã, e o que você pode deixar para amanhã deixa pra lá.
    Conto digno de uma continuação, heeeein! Fiquei curiosa para saber, porque ela não viu mais a mãe?

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  2. Nossa eu amei seu blog,não to falando isso brincando!Eu concordo muito com voce seus textos me tocam ,sabe como nenhuma outra pessoa consege me tocar nem mesmo a Bruna Viera sério eu amei esse texto acho que voce tem muito talento ..Segui se puder passa no meu blog
    http://quinze-cerejas.blogspot.com.br/

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  3. Que fofo!!! Ainda lembro da época em que escrevia contos fofos assim. Deixam a gente tão leve,né?
    ~b l o g~ • • • FanpageTwitterGoogle+

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