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20 novembro 2012

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Verdadeira Liberdade



Por trás de barras cinzentas o mundo parece se estender a um infinito inalcansável. Apesar de não poder vê-lo ou tocá-lo, posso senti-lo. Senti-lo no frescor dos novatos que chegam aqui exalando inocência e saem como os piores brutamontes. Posso senti-lo nas visitas que vêm e vão com lágrimas nos olhos e esperanças no coração. Posso senti-lo até mesmo no Sol que queima meu rosto no exercício da manhã. Mas agora está acontecendo uma guerra, eu em breve serei liberto e estes dois mundos estarão misturados quando eu sair daqui.
Mas não quero viver em um mundo assim. Nestes últimos anos minhas esperanças cumprindo pena era de que saindo daqui começaria vida nova, mas agora percebo que as coisas nas quais me envolvi quando mais novo nunca vão me abandonar. Não citarei aqui casos ou nomes. Eu só queria um espaço unicamente para meu arrependimento.
Eu tive várias chances de ser algo diferente. Em meus anos atrás das barras vi pessoas que tinham o arrependimento claro em seus olhos, mas tinham também aqueles que não se arrependiam. Pelo contrário, estava estampado em seus rostos que repetiriam o ato se precisassem. Não falo de psicopatia, mas a necessidade de cometer um crime para proteger ou sustentar quem eles amam. Comigo nunca foi assim. Meus atos egoístas me trancaram aqui. Meu último ato egoísta me libertará.
Não creio que uma carta suicida de um prisioneiro vá a mídia, bem que seria bom ser lembrado. Mas sei que apenas o esquecimento me aguarda. Minha família ficará melhor se esquecer de mim. Você que está lendo isso deve ser um policial. Poderia lembrar de mim? O cara calado da cela 19, que preferiu morrer como prisioneiro que violar suas lembranças de como era a liberdade. Meu nome, meu rosto, meu crime, tudo isso pode se perder no sistema, em pastas organizadas em arquivos infinitos, eu não ligo. Mas a minha decisão, minha última decisão, essa eu gostaria que fosse lembrada por alguém. Conto com você.

Escrevi pensando nessa guerra que está acontecendo em São Paulo e no interior. Não sabemos mais diferenciar os "good guys" dos "bad guys". Policiais matam bandidos e vice-e-versa. Imaginei como os homens que estão realmente querendo se recuperar enxergam isso. Uma carta depois de milhares de poemas, o que acharam?

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