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22 março 2012

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O Perdão

 

Aquela era uma vizinhança tranquila, até mais que a média. Todos se cumprimentavam normalmente e se conheciam pelo nome. Não era incomum um grupo de crianças cruzar sua frente brincando e se sujando, sem se importar muito com os berros da mãe que ouviriam mais tarde.
As árvores enfeitavam as calçadas, e os jardins de frente eram perfumados. Não havia grandes portões que protegessem garagens com carros exuberantes. Pequenas cercas brancas delimitavam o terreno das casas e ainda rendiam boas conversas toda manhã.
Mas um belo dia um pequeno alvoroço tomou conta daquela vizinhança. Uma nova moradora tinha chegado naquela casa que a algum tempo estava desocupada. Ninguém se lembrava direito o porque daquela família que morava ali ter saído da casa tão repentinamente, e nem queriam lembrar. Todos queriam saber mais sobre quem era a nova vizinha. Assim que ela se mudou todos batiam em sua porta, convidavam-na para jantares, davam-lhe comida e faziam promessas falsas de que poderia sempre contar com eles.
Ela sorria, agradecia, tudo como a etiqueta manda. Mas depois de fechar a porta seu semblante escurecia, e ela voltava a ser ela mesma.
Era interessante observar seus movimentos pela casa. Andando pelos quartos, dançando pela sala, tudo nela era tão vivo e exuberante, que ninguém imaginaria que aquela doce jovem já havia morado ali antes.
Sim, minha irmã voltara para a casa onde eu fui assassinado, para tentar se reconciliar consigo mesma.
Por um tempo eu a odiei, mas ao ver como ela sofreu por minha perda, eu a perdoei. Como ela saberia que justo no único dia em que ela pretendia fugir de casa ao ficarmos sem nossos pais, dois ladrões apareceriam? Se ela estivesse lá a historia poderia ser bem pior.
Continuei olhando de longe enquanto ela andava por entre os cômodos. Sempre de longe, porque temia que ela me visse. Ou temia não ser visto?
Ela passou reto na frente da porta do meu antigo quarto, e foi para o dela. Girou lentamente a maçaneta, e empurrou delicadamente a porta. Ela tinha medo do que ia ver: A adolescente irresponsável que abandonou o próprio irmão a morte.
Ao entrar soltou um suspiro. Caminhou lentamente até a janela, e, depois de hesitar, tirou as cortinas que impediam a entrada da luz e abriu-a com um só movimento. Olhou para a janela por onde tinha saltado na minha última noite de vida, e engoliu as lágrimas que se formavam na garganta.
Observei de longe, extasiado com os movimentos que ela fazia, tocando o mundo ao seu redor. Finalmente ela  bateu a grande colcha que estava em cima de sua antiga cama e lá se deitou, olhando o sol entrar pela janela.
Era emocionante ver a vida entrando novamente naquela casa. Eu que tantas vezes tentei abrir aquela janela ou bater aquela colcha, eu que tantas vezes tentava ver o que tinha sido esquecido dentro do armário... Não era para eu estar ali. Eu não mudava nada. Então eu só podia observar a casa onde eu passei meus últimos momentos de vida sendo degradada lentamente pelo tempo. Ver Raquel ali era muito emocionante.
Não sei se absorto por tudo isso, ou de propósito, mas eu suspirei. Suspirei tão alto que ela ouviu, e levantou a cabeça:
-Tem alguém ai?
Sim! Eu tinha vontade de gritar. Sim! Estou aqui a anos, mas ninguém me vê, ninguém fala comigo, não quero que você também termine assim Raquel, você tem uma chance!
Mas minha boca só conseguiu formular um gemido disforme, o que a levou onde eu estava: Dentro do armário. 
Seus passos inseguros e seu coração batendo, que inveja, que saudade! Por que eu? Por que minha casa?Não era realmente justo, mas com esses anos de reflexão eu percebi que nada é realmente justo.
Ela abriu a porta, e senti a luz do Sol tocando meu rosto. Calor, vida, coisas que não faziam mais parte de mim. Olhei para Raquel, e por um segundo acreditei encontrar seus olhos. Não hesitei e movimentei minha boca, dizendo com uma voz inexistente: Siga em frente.
Os olhos dela se arregalaram e um grito escapou de sua garganta junto com as lágrimas que tanto segurava. Logo percebi que ela não conseguia mais me ver, mas não liguei. Vi em seu olhar que a esperança estava viva, e que ela encontrara o que tanto queria: Perdão.
Se hoje digo isso é porque Raquel se mudou para aquela casa, e junto com o namorado criou uma família. Fez parte da vizinhança até seus últimos dias, e também me libertou da culpa de prendê-la aos mortos. Não posso bem dizer onde estou, mas estou bem, e feliz. Um beijo do jovem que morreu, Paulo.

Nossa, faz muito tempo que eu não escrevo. Na verdade essa é sinceramente uma das primeiras vezes que eu consigo sentar no computador tranquilamente. Estou sem inspiração, e as ideias que vem não preenchem muito mais que tres linhas. Ta difícil.Mas eu tenho meus dias, como hoje, onde escrevo três poemas e um conto. É nesses dias que eu me sinto de novo como eu mesma, que conseguia escrever até sobre uma folha em branco.Enfim, espero que entendam que ta difícil aqui. Eu conto com o acompanhamento de vocês, e quero muito saber o que acharam dessa participação para o Bloinques!Enfim, apenas isso, comentários?

3 comentários:

  1. Achei lindoo.
    Todos precisamos de perdão.
    Beijos

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  2. Oi Lara, no geral eu gostei.

    Só acho que você entregou cedo demais que o irmão estava morto, talvez pudesse ter trabalhado isso melhor (não sei como exatamente) para revelar a surpresa no final.

    No conto "o começo" você descreveu bem as cenas de violência, talvez também seria interessante usar esse seu ponto forte aqui, descrevendo o assassinato e tal.

    O Bloínquês é legal para nos arrancar inspiração "na marra". Continue participando e insistindo. Esses moentos de falta de inspiração acabam passando (eles voltam depois, mas passam de novo :D).

    Beijão.

    (Se puder leia meu conto e dê sua opinião)

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  3. A inspiração some, sempre uma hora ou outra sumirá mas volta, sempre volta. As vezes até mais intensa.
    Bom o texto.



    http://worse-or-better.blogspot.com.br/

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